LEMBRANÇAS DE CANUTAMA

Formei-me em Direito no ano de 1959. Em 1960, já fazia minha estreia como advogado, indo de Manaus ao longínquo município de Canutama, no Estado do Amazonas, ingressar com uma ação de reintegração de posse das terras de um seringal,  o que me rendeu “uns bons  trocados” que me possibilitaram  comprar o meu primeiro carro, um antiquíssimo “Austin A-10”, com uma enorme performance e uma história singular, que contarei em outra oportunidade.

       Nunca pensei enfrentar tantas horas de vôo dentro do território amazonense. Para chegar a Canutama viajei num avião Catalina, carinhosamente apelidado de “Pata Choca”, o qual levou uma eternidade de Manaus até aquele município. Para mim, que não gosto de viajar de avião, foi um suplício.

       A verdade é que depois de muito sofrer com os solavancos, cheguei a Canutama e quase morri de susto quando o avião amerissou. A água encobriu toda a aeronave e eu pensei que era um mergulho sem retorno.

       Refeito do susto, procurei pela cidade. Era bem pequena, o que me causou certo espanto, mas tinha um povo acolhedor e amigo.

       Como não tivesse onde ficar, terminei na casa paroquial, na qual dormi meio sobressaltado, pois a porta não fechava. Soube, no dia seguinte, que não havia perigo, em face de não existirem malfeitores no lugar. Hoje, não sei se é a mesma coisa.

       Logo que o Fórum começou a funcionar, lá estava eu, de petição na mão, para dar entrada. Felizmente a liminar foi concedida sem delongas, e a reintegração foi realizada, com muita dificuldade, porque as terras em litígio ficavam um pouco distantes da sede do município.

       Na região havia muito pium, um bichinho infernal que dá tanta coceira que não deixa a pessoa dormir em paz.

       A comida era escassa porque, na ocasião, a pesca estava difícil. Mas existiam os animais silvestres. Eu não estava acostumado com essa carne. O jeito foi comer mingau de maizena durante algum tempo (engordei vários quilos).

       Mas, o que mais me sufocava, era a solidão. À noite, a melancolia aumentava.

       Agora, uma ironia do destino: anos depois, fiz concurso para Promotor, passei em primeiro lugar, e sabem onde fui lotado? Em Canutama.

       A verdade, meus irmãos brasileiros, é que é admirável o estoicismo do caboclo, perdido na imensidão amazônica, num verdadeiro estado de abandono, com uma região tão rica ao seu redor, mas sofrendo, calado, e esperando a ação dos poderes públicos, que nunca aparece.

Ao escrever esta crônica, quero prestar minha homenagem ao bravo povo de Canutama, que ali vive heroicamente, nutrindo esperanças por dias melhores.