A VIDA FRENTE À MORTE

Leo Buscaglia, em seu livro intitulado Assumindo A Sua Personalidade dá-nos uma verdadeira lição de vida: “Possuímos um forte instinto de sobrevivência, um desejo intenso de viver. De outro modo, como poderíamos ter suportado tantos séculos de escravidão, fome, dor, encarceramento e luta e, ainda assim, termos seguido escolhendo a vida?”.

Em verdade, essa tem sido a saga da humanidade: a luta pela sobrevivência, o desejo infrene de viver. Mas, a realidade da vida, está associada, segundo o autor, à aceitação da morte. Diz Leo Buscaglia:

“Quando somos capazes de aceitar a morte simplesmente como outro aspecto do ciclo da vida, daremos consideração e valor a cada encontro da vida, sabendo que ele jamais ocorrerá novamente. E cada um destes momentos será a fonte do que conheceremos como nossa vida.

A morte é o maior dos mestres da vida. Somente os ignorantes e aqueles que têm medo de viver a temem. Os sábios aceitam a morte como seu amigo íntimo e mestre muito bondoso. Para sermos plenamente ativos e atuarmos plenamente como uma pessoa, devemos aceitar a morte como um amigo de toda a vida”.

Como não somos sábios, não temos a morte como nossa amiga íntima; temos receio do desconhecido.

Por outro lado, choramos muito a perda de entes queridos que se foram, deixando um vazio imenso em nossos corações. É preciso um grande lapso de tempo, para irmos nos acostumando com as perdas ocasionadas pela morte.

O importante, porém, é sabermos encarar a vida, procurando sempre vivê-la com dignidade, amando o nosso semelhante, compreendendo que tudo é fugaz, que não adianta a soberba se tudo irá se transformar em pó.

Vêm-nos, então, à mente, as palavras de um porteiro, ao ouvir muita discussão em derredor do uso de um elevador social: debaixo da terra, todos são iguais!

MAÇONARIA

Já foi dito, com muita propriedade, que nós não entramos na Maçonaria. A Maçonaria é que entra no recôndito de nossa alma, melhorando-nos sobremaneira, para enfrentar as incertezas na caminhada da vida.

Parece que foi hoje que ingressei na Maçonaria, mas tal fato se deu nos idos de 1960. Eu acabava de concluir o Curso de Direito e, como todo jovem cheio de ideais, parecia um Dom Quixote enfrentando moinhos de vento, embora sem ter o meu Sancho Panza. Vislumbrava um mundo melhor, atraído pela filosofia maçônica, tão bela   e tão emocionante, cheia de grandezas espirituais, e de tantas tradições.

A Loja que ingressei em Manaus, Vitória das Nações Unidas, do Rito Adonhiramita, gozava de grande conceito na Maçonaria da Amazônia Ocidental. Quando passei a residir no Rio de Janeiro, ingressei na Loja União e Tranquilidade, a 2ª da Ordem e Primaz do Rito Moderno, onde me encontro até hoje. Já, em Brasília, onde morei por alguns anos, filiei-me à Loja Estrela de Brasília, do Rito Escocês Antigo e Aceito. A verdade é que sempre me mantive fiel aos ideais maçônicos até os dias de hoje, não esmorecendo jamais. Dificuldades sempre existiram, mas as pessoas sonhadoras crescem nas adversidades, porque não se deixam abater nunca.

Durante mais de uma década fui Conselheiro Federal do Grande Oriente do Brasil-GOB, órgão eclético, constituído de maçons de várias partes do país. Ali aprendi muito, ouvindo os mais experientes. A vida, em realidade, é um permanente aprendizado.

Irmãos, ontem como hoje, continuo acreditando que a Maçonaria poderá fazer muito pelo Brasil, como ocorreu no passado. Pelo menos, no momento, dois grandes desafios poderiam ser encampados pela Maçonaria: a intransigente defesa da Amazônia, e a luta em favor da Educação, única maneira do país sair do atraso em que se encontra e entrar no chamado primeiro mundo.

A MINHA ESTREIA NO TRIBUNAL DO JÚRI

Transcorria o ano de 1959. Eu cursava a Quinta Série de Direito e trabalhava, como repórter, no “O Jornal” e “Diário da Tarde”,  órgãos de maior circulação da imprensa amazonense.

Naquele ano, fui designado para realizar uma reportagem sobre as comemorações da passagem de mais um aniversário do então Território Federal de Roraima, governado pelo dr. Hélio de Araújo.

Viajei àquela Unidade da Federação, juntamente com o pessoal do Teatro Escola do Amazonas, que ali exibiu, com muito esmero, a peça intitulada “Morte e Vida Severina”.

Em Boa Vista, Capital de Roraima o Tribunal do Júri Popular estava em pleno funcionamento, e ali se encontravam conceituados e festejados criminalistas amazonenses, entre os quais avultava a figura admirável do mestre Abdul Sayol de Sá Peixoto.

Estava num hotel da cidade, quando fui convidado a comparecer ao Foro, a fim de dizer se aceitava ou não o patrocínio da causa de um réu pobre, sem condições de pagar advogado. O meu nome fora lembrado pelo fato de eu ser Solicitador Acadêmico (estudante de Direito, trabalhando em escritório profissional). O julgamento seria na manhã do dia seguinte. Aceitei o desafio, estimulado pelo professor Sá Peixoto que me deu sábios conselhos para minha postura na tribuna, e acerca da tese que seria levantada em defesa do réu. Mestre Abdul, como carinhosamente era chamado por seus discípulos, inteligência primorosa das letras jurídicas, brilhante Promotor de Justiça, acreditava em minha atuação, mesmo em me sabendo um neófito no ofício, visto que conhecia apenas minha atuação em tertúlias acadêmicas, inclusive havendo ganho o concurso de Orador Universitário do Amazonas.

Desse modo, o jornalista que fora fazer a cobertura dos festejos do aniversário do Território, transmudou-se no advogado, com a tarefa difícil de defender um réu que nunca vira em sua vida, com quem não mantivera o menor contato, conhecendo-o, unicamente, através do processo que lhe chegara às mãos.

Não é demais dizer que passei a noite sem dormir, estudando atentamente os autos, esperando, com ansiedade, a hora do julgamento quando veria, pela vez primeira, o réu que eu iria defender.

Tribunal repleto. O Promotor, homem experimentado na tribuna, leu o seu fulminante libelo, pedindo a condenação do réu. Do outro lado, o estreante, sem muito tempo para estudar o processo, sozinho na defesa, viu-se em palpos de aranha, pedindo a Deus que terminasse aquele sufoco. Ansiava que o Promotor acabasse de falar, para começar a defesa, que estava, como se diz, “na ponta da língua”, e que, se houvesse muita demora para falar, a língua poderia emperrar. Aí seria o fim, com o desmoronamento da confiança que lhe depositara o mestre Abdul, presente ao julgamento para assistir a atuação do seu discípulo.

Momentos difíceis, em que o suor escorria frio pela testa e ensopava a camisa e o paletó. A incerteza, a inquietude, faziam com que os minutos parecessem longos demais, “como num dia de fome”, como diria um amigo meu.

Chegou a hora da defesa. A tese levantada: isenção da pena, com base no parágrafo primeiro do art. 24 do Código Penal, “in verbis”: “É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou de força maior era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

O meu constituinte era um índio aculturado. Certa madrugada fora convidado por um seu amigo, para uma pescaria. Não ingeria bebida alcoólica. Aí, a instâncias do mesmo, passara a beber cachaça,  vindo a embriagar-se totalmente e, de maneira desatinada, sem lembrar o motivo, matara o seu companheiro. Não houve testemunhas do crime. A Promotoria insistia no motivo fútil.

Da tribuna, com os dados que possuía, tracei a personalidade do réu, que permanecia imperturbável, indiferente a tudo que o cercava. Falei de seus ancestrais, da vida que levava, do seu comportamento calmo, do seu interesse várias vezes demonstrado de voltar ao meio de onde proviera, indiferente à vida da cidade; de que não era nunca ingerira antes bebida alcoólica.

Mostrei, por outro lado, que o réu não tinha a índole de um criminoso nato, pelo seu próprio estilo de vida, e que o crime se dera por um perverso acaso do destino.

Chegou a hora da decisão. Expectativa geral. Nas minhas últimas palavras da tribuna, solicitei aos jurados que fizessem uma reflexão profunda sobre tudo o que eu relatara. As palavras por mim proferidas ecoaram bem.

Decisão do Corpo de Jurados: absolvição do réu por maioria de votos. Palavras educadas de cumprimentos da Promotoria Pública à atuação do Acadêmico de Direito e a comunicação de que não iria apelar da sentença. Palavras de agradecimento do Juiz de Direito, Presidente do Tribunal do Júri, dr. Erasto da Silveira Fortes, à colaboração emprestada à Justiça pelo Solicitador Acadêmico José Roberto de Souza Cavalcante.

Encerrados os trabalhos, o improvisado advogado de defesa não recebeu, sequer, o muito obrigado do Adelino Firmino (este o nome do réu), não por grosseria de sua parte, mas por sua maneira de viver, alheio as etiquetas sociais.

O importante, porém, é que foi feita a defesa do Adelino, garantida pela lei. E eu tive, assim, a oportunidade de patrocinar a defesa de uma pessoa carente, jogada pelo destino naquela difícil encruzilhada.

Dias depois,  recebi uma Certidão expedida pelo Escrivão da Comarca de Boa Vista, Território Federal de Roraima,  vazada nos   seguintes termos: “CERTIFICO, em virtude das atribuições que por lei me são conferidas, que, a requerimento do Doutor ABDUL SAYOL DE SÁ PEIXOTO, revendo os arquivos do meu Cartório, nele consta a folhas setenta e três verso a setenta e seis e verso, do livro de Atas do Tribunal do Júri  realizada aos catorze dias do mês de setembro do ano de mil novecentos e cincoenta e nove foi apresentado a julgamento o réu Adelino Firmino. Que aberta a sessão sendo o réu pobre e não tendo advogado, o Meritíssimo Doutor Juiz Presidente do Tribunal do Júri nomeou para seu defensor o acadêmico José Roberto de Souza Cavalcante, aluno matriculado no quinto ano do Curso de Bacharelado da Faculdade de Direito do Amazonas. Certifico mais que o réu Adelino Firmino foi absolvido pelo Conselho de Sentença que reconheceu em seu favor a isenção do parágrafo primeiro do artigo vinte e quatro do Código Penal, tendo o Meritíssimo Juiz, Doutor Erasto da Silveira Fortes, ao encerrar os trabalhos, colocado em destaque a relevância do serviço prestado à Justiça desta Comarca pelo acadêmico José Roberto Cavalcante, aceitando o patrocínio de réu pobre, sem advogado constituído, por absoluta falta de recursos. O referido é verdade, do que dou fé”.

Foi remexendo o meu velho arquivo, que encontrei a Certidão acima referida, a qual me chegou às mãos por iniciativa do mestre, de saudosa memória, DR.  Abdul Sayol de Sá Peixoto, dequem tive a honra de ser aluno, ele que foi um edificante exemplo de cultura e de honradez a serviço do Direito e da Justiça.

A MORTE DO RIO UATUMÃ

Quanta insensatez foi a construção da hidrelétrica de Balbina!

A inundação de imensa área de floresta nativa, foi um brutal crime ecológico, com a morte dos animais que nela habitavam.

Construir-se barragem na planície, chega às raias do absurdo. Mas a usina aí está. Matou o Rio Uatumã, fonte de alimentos para os moradores de suas redondezas.

Ouvi num documentário de televisão: “foi esclerosada uma das veias do coração da Floresta Amazônica”.

A usina que iria resolver o problema energético de Manaus não cumpre a sua função, porque a demanda de energia é muito maior do que a capacidade instalada, embora a área inundada corresponda  a várias Baías da Guanabara. Que lástima!

Mas, no Brasil, é muito difícil achar-se o culpado. Por outro lado, a certeza da impunidade tem levado a descalabros de toda a ordem.

Como amazônica eu sempre repudiei a construção de Balbina. Visitei-a, contristado, em sua fase de construção, quando ouvi inúmeras reclamações de moradores das cercanias que pressentiam os perigos que os rondavam, principalmente com a contaminação das águas pelas árvores e animais submersos que iriam apodrecer debaixo d’água.

Se pessoas simples enxergavam os perigos, por que os técnicos, os cientistas, não se manifestaram contra a barragem?

A omissão é sempre criminosa, porque ela acoberta absurdos. O silêncio é uma forma de acumpliciamento.

É verdade que as cidades da Amazônia precisam de meios para se desenvolver. Mas não se deve cobrir um santo para descobrir outro.

O que se fez foi um verdadeiro desastre ecológico, na minha opinião.

A morte de um rio não poderá ser esquecida!

A AMAZÔNIA TEM DONO

Há algum tempo, o ex-senador Bernardo Cabral, meu colega na Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas presidida pelo ilustre Gen Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, sacudiu a opinião pública brasileira declarando que seriam lançadas ações na Bolsa de Chicago, nos Estados Unidos, no valor de 20 bilhões de dólares sobre o bem maior existente na natureza, ou seja, a água.

Mostrou a sua preocupação com referência ao assunto, visto que grande parte da água doce existente no mundo se encontra em território brasileiro.

Logo depois desse brado do senador, foi criada, em nosso país, a Agência Nacional de Águas, pretendendo regular esse bem natural existente em abundância no Brasil, particularmente na Amazônia.

    Daí para cá não se falou mais sobre a Bolsa de Chicago, tendo sido instalada a Agência Nacional de Águas que, até hoje, parece que não alcançou os fins almejados.

    Ninguém se iluda: a grande luta no futuro não será em derredor do petróleo, como acontece hoje, mas da água, elemento indispensável à vida no nosso planeta.

    E onde se encontram os maiores mananciais do mundo? Por que tanto cuidado das nações mais desenvolvidas do Planeta em relação à Amazônia? 

    Será que elas são tão beneméritas a ponto de quererem ajudar o Brasil a resolver os problemas que cercam essa região, sem nada pedir em troca?

       O mundo é competitivo por excelência e, cada nação, procura usufruir o máximo de vantagem para viver bem, prosperar, crescer cada vez mais.

    Assim, devemos ficar de olho nos países desenvolvidos que, ontem como hoje, só visam uma coisa: os seus interesses, o lucro fácil, à custa dos países subdesenvolvidos e dos países em desenvolvimento.

    O alerta feito pelo ex-senador Bernardo Cabral no Parlamento Amazônico, acerca da Bolsa de Chicago, foi bem oportuno, e a sua declaração “A Amazônia tem dono”, merece reflexão permanente e profunda.