OS EQUILIBRISTAS

Sempre fui um admirador dos equilibristas. Daqueles que arriscam a vida para, como vulgarmente se diz, ganhar a vida. São pessoas de desmedida coragem,  de desprendimento a toda prova, de valor incontestável.

Quando criança, eu ficava cheio de alegria quando comparecia a um espetáculo circense para ver as acrobacias incríveis levadas a efeito, principalmente, pelos que se equilibravam em fios de aço, pelos trapezistas e pelos que enfrentavam o chamado “globo da morte”.

Lembro-me bem dos circos que apareciam de quando em vez em minha terra natal, Manaus. Eu comparecia aos espetáculos com uma assiduidade espantosa, porque era um apaixonado pelo trabalho dos acrobatas.

O esforço dos equilibristas é verdadeiramente notável. Tais profissionais inspiram confiança, destemor, arrojo, e mostram como é difícil ganhar a vida. Mas realizam o seu mister, conscientes de que estão fazendo algo de extraordinário, mesmo porque se constituem no centro das atenções dos espectadores que acompanham, com sofreguidão, com aflição, todos os lances arriscados de sua árdua tarefa.

Não raro os que assim agem pagam com a vida a sua audácia. Há algum tempo, os jornais noticiaram a façanha de um antigo artista espanhol que, apesar do peso da idade, resolvera apresentar o último espetáculo de sua fascinante carreira. E foi, com efeito, a derradeira apresentação de sua vida, posto que encontrara a morte ao perder o equilíbrio e despencar-se de uma colossal altura.

Outros, com mais sorte, chegam a se aposentar na profissão, e é com muita lamúria que se despedem do público, porque nasceram para as grandes aventuras, para sacudir as platéias, para causar estranhas sensações às pessoas que os assistem.

O carisma dos equilibristas é tão grande, a confiança que inspiram é tão contagiante, que pessoas há que se arriscam juntamente com eles. Foi o caso de um jovem que, acedendo a um convite, ficou sobre os ombros de um homem que atravessou em um cabo de aço as cataratas do Niágara. A sincronia dos movimentos do herói e do jovem (também de qualidades heróicas) permitiu essa façanha admirável que causou estupefação a todos quantos a presenciaram. Mas o que mais propiciou o êxito do empreendimento foi a confiança que o jovem depositou no artista, não descrendo, um instante sequer, de seus atributos, de sua força interior, de sua inexcedível perícia. E, assim, ambos puderam contar a história da grande aventura.

E os equilibristas da política, da administração pública? Ah, estes são os opostos daqueles! Realizam um triste papel, deprimente, na luta pelas posições, afastando todos os que lhes possam fazer sombra, engendrando toda sorte de intrigas, de futricas, para viverem à tripa forra. Não inspiram a mínima confiança, porque são frágeis de caráter, mergulhados que estão no egocentrismo de suas paixões mesquinhas, de interesses inconfessáveis. Não têm platéias, visto que agem à sombra, e se às vezes aparecem, por força das circunstâncias, operam como verdadeiros histriões, como bobos da corte, tilintando os guizos na busca de agradar, de agradar sempre.

Alguns conseguem se equilibrar tanto que dificilmente caem. Mudam os governos e lá estão eles “pendurados” em bons cargos, querendo se dar ares de importância. Ou têm mais QI (quem indica) que os outros, ou os seus serviços são indispensáveis…

Mal uma administração está chegando ao fim e já estão eles se inclinando aos novos administradores, prestando serviços antes que os mesmos assumam, atendendo, assim, de igual modo, a dois senhores, o atual e o futuro chefe, num equilibrismo de “papagaios no arame”.

Esses equilibristas, embora sejam menosprezados pela maneira como agem, por incrível que pareça, são às vezes bajulados, porque, detendo cargos influentes, poderão prestar inúmeros favores…

Vestem-se bem. São coleantes e altamente prestativos quando podem tirar vantagens imediatas ou mediatas. Chegam a ter apologistas que dizem ser eles úteis a qualquer administração por sua “experiência”. Ledo engano, porém, visto que os males que causam com suas figuras peçonhentas, são bem maiores do que “os galhos que quebram”.

Tais fungos oportunistas, carregadores de pastas, iludem-se com as homenagens que recebem. Em verdade, são vítimas de gozações a todo instante, e de doestos, servindo de galhofa nas esferas em que atuam ou fora delas. Mas, como são subservientes por índole, nada enxergam à sua volta.

Há, portanto, um gigantesco abismo separando os heróis da minha infância, ou seja, os homens que ganham a vida arriscando a própria vida, dos equilibristas de outra ordem, que usam qualquer artifício para se manterem em evidência, pendurando-se nos cargos através de atividades mesquinhas e solertes.