SESSÃO DE SAUDADE

Sejam as nossas primeiras palavras de agradecimentos à Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas, presidida pelo ilustre Acadêmico, General Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, pela oportunidade que nos foi concedida para, em nome da referida Academia, relembrar as brilhantes trajetórias de nossos confrades falecidos, os quais deixaram extraordinários ensinamentos e muitas saudades aos seus familiares, amigos e admiradores: Dr. Edmo Rodrigues Luterbach, Dr. Delphim Sallum de Oliveira, Professor Antônio Garcia, Professor João de Scantimburgo e Dr. Jarbas de Albuquerque Maranhão.

Em verdade, outros membros de nossa Academia estariam mais aptos a tão importante tarefa, mas, depois  de várias ponderações, não poderíamos declinar do honroso convite, visto que levamos sempre em mente o conhecido provérbio: “aquele que não vive para servir, não serve para viver”.

Assim, assumimos esta grande responsabilidade para a qual desde já pedimos vênia, em face das nossas limitações, visto que, infelizmente, não tivemos o privilégio de conviver com os nossos prezados confrades.  Mas, o que fala mais alto, são os ensinamentos que eles deixaram e que fazem parte do acervo de nossa Casa de Cultura, em fase de estruturação.

 Já dizia Aristóteles: O homem é um ser eminentemente social, e acentuava Platão que o homem não se pertence, mas sim à sociedade.

Em nossas andanças pelo interior da Amazônia sentimos muito essa necessidade do homem interagir com os seus semelhantes. Depois de dias segregado na floresta, perdido na imensidão das matas, o caboclo, ao invés de descansar, pega a sua igarité e singra rios, paranás, furos, igapós e igarapés, horas a fio, às vezes dias inteiros, para encontrar um aglomerado humano, onde possa  confraternizar e esquecer as agruras enfrentadas pela busca interminável da sobrevivência.

E por falar em espírito gregário, lembramos da nossa juventude, como estudante secundarista, da necessidade que tínhamos de fazer parte do Centro Estudantil, onde se descortinavam importantes tertúlias intelectuais.  No Centro, nos digladiávamos em discussões acerca dos mais relevantes assuntos de natureza literária e social. Eram feitos, inclusive, “julgamentos” de vultos de nossa história, com a presença do chamado “júri”.    

Na Faculdade de Direito, integramos o Diretório Acadêmico, onde eram discutidos os mais importantes e apaixonantes assuntos de interesse nacional. A vivência acadêmica era muito vibrante, e os estudantes exercitavam os seus dotes intelectuais e de oratória.

É esse espírito gregário que nos faz integrar agremiações recreativas e culturais.

Hoje, já na 3ª idade ou, como queiram, na “melhor idade”, estamos aqui na Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas. 

O que é uma Academia?  

Vejamos o que diz o Dicionário ilustrado da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, elaborado por Antenor Nascentes.

Academia. De Academus, nome do criador do parque onde Platão reunia seus discípulos, originou-se o termo academia, reaparecido na Renascença com o significado de agremiação literária e depois científica, artística ou cultural. No Brasil, a primeira academia foi a dos Esquecidos, fundada na Bahia em 1724. Em 1897, sob a presidência de Machado de Assis, inaugurou-se a Academia Brasileira de Letras, com o objetivo de incentivar a cultura de nossa língua e da literatura nacional.

O Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa de Caldas Aulete, assinala:

Academia. S. f. escola, lugar onde se ensinam diversas ciências ou artes. Por alusão ou extensão, significa reunião de cultores de ciências artes ou literatura, constituída oficialmente: Academia das Ciências de Lisboa. Academia Brasileira de Letras. Qualquer sociedade particular com caráter científico, artístico, literário ou mesmo recreativo.

Ao contrário do que muitos pensam, as Academias Literárias não são recintos onde se realizam discussões estéreis ou sem sentido com a presença de anciãos que se reúnem para deleite próprio. São, ao contrário, centros ativos de discussões, incentivando o aprimoramento da cultura e do saber.

É o caso da nossa Academia, onde os mais diferentes assuntos são debatidos, mesmo fora das reuniões programadas, cada um expondo os seus pontos de vista, sem censuras ou amarras.

Cabe ressaltar, nesta oportunidade, o espírito inovador do ilustre Presidente desta Casa, Gen. Luiz Gonzaga Lessa, figura paradigmática, tendo ao seu lado o eficiente Secretário-Geral, Dr. Agustinho Fernandes da Silva, sempre prontos a prestigiar os seus colegas Acadêmicos, sendo uma prova disto a homenagem póstuma que está sendo prestada a fulgurantes integrantes do Sodalício, que partiram para a eternidade.   

Senhoras e Senhores: as Academias são, em verdade,  fulcros de ideias e de movimentos que sacodem a poeira do tempo e se ajustam à modernidade, sem perder, evidentemente, a sua autenticidade de guardiães do passado, e sem se descurar dos rumos do futuro. Estão sempre abertas às discussões de pensamentos antigos e novos, e buscando, firmemente, o aprumo em seu caminhar.

O que dizer, então, de uma Academia de Ciências Morais e Políticas, berço e floração da ética na busca do bem comum?

Aqui, nesta Casa, se aprende a amar a filosofia dos grandes pensadores, cujos ensinamentos atravessaram os séculos e se tornaram verdades imorredouras.

São palavras de Machado Paupério, um dos pioneiros da Academia:

“Fundada em 1895, com menos de dez anos de vida, a Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas, tendo como modelo a prestigiosa “Real Academia de Ciências Morales y Políticas”, com sede em Madri, procura arregimentar os cultores nacionais no campo não só das Ciências Morais como das Ciências Políticas.

A junção do campo moral e do campo político não deve criar quaisquer dificuldades de ordem teórica por se traduzir num esforço de interpretação integral da vida, dentro da chamada teoria dos valores, que polariza hoje boa parte da ciência humana atual, contra as esferas positivistas de todos os graus.

Política sem Moral lembra Maquiavel, com todo o seu cortejo de “razões de Estado”, próprias dos regimes absolutos e arbitrários, que encontram nos fatos divorciados da ética a sua razão de ser mais profunda”.

Disse muito bem Jayme de Altavila em seu livro “A Origem dos Direitos dos Povos”:

“Os filósofos sempre foram o filão de ouro das idades. O mundo sem a presença de Platão e Aristóteles teria sido um mundo vazio de beleza e de verdade”.

As Academias de Ciências Morais e Políticas buscam o rumo para que o barco não se perca em sua trajetória. Tratam de assuntos morais, base para a floração do Direito, e para que as ciências políticas encontrem sempre o caminho reto que as levem à melhoria da qualidade de vida dos povos.

Em discurso proferido à Delegação da Academia das Ciências Morais e Políticas de Paris, em 10 de fevereiro de 2007, o Papa Bento XVI declarou:

“Academia das Ciências Morais e Políticas é um lugar de confrontos e de debates, propondo a todos os cidadãos e ao legislador reflexões para ajudar a “encontrar formas de organizações políticas mais favoráveis ao bem público e ao desenvolvimento do indivíduo”. De fato, a reflexão e a ação das Autoridades e dos cidadãos devem centrar-se sobre dois elementos: o respeito a todo o ser humano e a busca do bem comum”.

Aqui nesta Academia floresceram os pensamentos e as ideias dos homenageados de hoje desta Sessão de Saudade, assim chamada pelo seu eminente Presidente  General Luiz Gonzaga Schoeder  Lessa.

       Hoje, estamos reverenciando a memória dos confrades Dr. Edmo Rodrigues Luterbach, Dr. Delphim Sallum de Oliveira, Professor Antônio Garcia, Professor João de Scantimburgo e Dr. Jarbas de Albuquerque Maranhão.

Estamos, portanto, numa “Sessão de Saudade”. Em Maçonaria nós chamaríamos de “pompa fúnebre”. O nome parece inadequado, mas é dado não no sentido de ostentação, mas de cumprimento à ritualística maçônica, que exige formalidades para o ato, fiel aos seus cânones. É o respeito aos que partiram para o Oriente Eterno, deixando em nosso seio um trabalho fecundo em prol da paz e da concórdia entre os homens; aos que plantaram e tiveram como resultado messes abundantes, na profícua atividade de fomentar o bem, a justiça e a fraternidade.

O mesmo ocorre nesta oportunidade, com a gratidão e a admiração que dedicamos aos nossos confrades, que partiram para a eternidade deixando, entre nós, um rastro de luz que nunca se apagará.

Dr. DELPHIM SALUM DE OLIVEIRA – Ocupou a cadeira nº17 patroneada por Heleno Fragoso. Era combativo advogado criminalista com destacada atuação no Foro do Rio de Janeiro. Foi diretor de administração e finanças do Banco Nacional, diretor superintendente do Banco Pinto Magalhães e diretor jurídico da Bradesco Seguros, além de ter lecionado na Universidade Cândido Mendes. Faleceu no dia 4 de junho de 2012.

DR. EDMO RODRIGUES LUTTERBACH – nasceu em 12 de outubro de 1931, na Fazenda Mont Vermon, distrito de Santa Rita do Rio Negro (atual Euclidelândia), município de Cantagalo, Estado do Rio de Janeiro. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito de Niterói, tendo feito doutorado na mesma Faculdade. Exerceu as atividades de Advogado, Promotor de Justiça e Procurador de Justiça. Publicou diversos livros, opúsculos, etc. Pertenceu a várias Academias de Letras e foi atuante partícipe de nossa Academia. Era titular da Cadeira 24, tendo como patrono Ferreira Viana. Teve uma fecunda atividade literária, sendo, inclusive, um exímio poeta. Faleceu em 2013.

PROF. JOÃO DE SCANTIMBURGO – Nasceu em Dois Córregos, Município do Estado de São Paulo, no ano de 1915. Foi jornalista, professor e escritor.  Era um filósofo por formação. Escreveu inúmeros livros, entre os quais O Destino da América Latina – A Democracia na América Latina, A Crise da República Presidencial, A extensão humana – Introdução à Filosofia da Técnica,  O Mal na História – Os totalitarismos do século XX, O Governo Colegiado de D. Pedro II e o governo unipessoal dos Presidentes da República. Foi membro da Academia Paulista de Letras, tendo ocupado a cadeira n. 8, cujo patrono é Bárbara Heliodora. Foi membro da Academia Brasileira de Letras. Em nossa Academia ocupou a cadeira nº31 tendo como patrono João de Scantimburgo. Faleceu em 2013.

PROF. ANTÔNIO GARCIA – Formado em Direito. Licenciou-se em Letras Neo Latinas. Especializou-se em Direito Internacional Público. Foi fundador da Escola de Altos Estudos de Administração Internacional e da Faculdade de Relações Internacionais, em Curitiba, Paraná. Foi um emérito conferencista. Ocupou a cadeira n. 12, cujo patrono é Jacy de Assis. Faleceu em 2013.

DR. JARBAS DE ALBUQUERQUE MARANHÃO – Natural do Estado de Pernambuco. Diplomou-se em Direito pela tradicional Faculdade de Direito de Recife. Foi líder estudantil, havendo sido presidente do seu Diretório Acadêmico. Foi professor de Direito Constitucional, no Departamento Jurídico da Universidade Católica de Pernambuco, havendo exercido várias outras disciplinas no magistério superior. Sua vida literária foi intensa, tendo sido Membro da Academia Pernambucana de Letras e de várias outras entidades culturais. Há uma singularidade na vida do Dr. Jarbas Maranhão em relação aos demais colegas homenageados, visto que o mesmo se dedicou, por algum tempo, à vida política, tendo desempenhado uma belíssima atuação parlamentar: em 1945 elegeu-se deputado à Assembleia Nacional Constituinte de 1946; foi reeleito deputado em 1950 e senador da República de 1955 a 1963. O Dr. Jarbas Maranhão publicou vários livros entre os quais: Diretrizes da Democracia Social, Considerações sobre o Projeto de Constituição (1946), Liberdade de Pensamento e Formação da Juventude, A Crise Brasileira. Uma Nova Constituição. O Estado Social de Direito, O Desafio da Fome. O Dr. Jarbas de Albuquerque Maranhão ocupou a cadeira 48, cujo patrono é Alberto Pasqualini.

Faleceu em abril do ano em curso, mas deixou, em nosso seio, um fiel representante de seus ideais: o seu filho Dr. Ricardo Maranhão, formado em engenharia mecânica. Como o pai, o nosso confrade Ricardo Maranhão, enveredou pelo mundo político, ocupando a cadeira de Deputado Federal, tendo uma atuação brilhante e sem jaça. Em nossa Casa, comunga com os nossos propósitos de lutar em defesa dos valores éticos e morais, que devem sempre nortear a conduta de todos nós.  

Minhas Senhoras, Meus Senhores:

       Tudo nesta vida passa. Alegrias, tristezas, tudo é superado pela marcha inexorável do tempo, que tudo desfaz, mas que jamais apagará de nossas lembranças essas figuras notáveis de nossa Academia, pelo muito que contribuíram para o seu fortalecimento e grandeza.

O grande vate português Fernando Pessoa disse, com muita propriedade:

“Morrer é apenas não ser visto. Morrer é a curva da estrada”.

Falando sobre a morte, disse Santo Agostinho:

A morte não é nada.

Eu somente passei

Para o outro lado do Caminho.

Eu sou eu, vocês são vocês.

O que eu era para vocês,

Eu continuarei sendo.

Me deem o nome que sempre me deram,

Falem comigo

Vocês continuam vivendo

no mundo das criaturas

Eu estou vivendo

No mundo do Criador”.

Os nossos homenageados apenas desapareceram na curva da estrada, mas se encontram espiritualmente aqui entre nós, com o seu exemplo de vida e de luta em favor do engrandecimento da Literatura Brasileira e de nossa Academia.

Aos seus familiares e amigos aqui presentes, o nosso preito de gratidão, por reconhecerem a importância deste ato, brotado do âmago de nossos corações, em respeito aos que se foram, mas que deixaram lindos exemplos de vida.  

Muito obrigado!

*Discurso por mim proferido em nome da Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas, reverenciando a memória de colegas que deixaram o nosso convívio.